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Política como fé e prática: a relação do cristão com a política - Parte 5

Atualizado: 26 de mar.

Como lidar com as informações


Estamos nos aproximando das eleições de 2022, e este tem sido um período cada vez mais conturbado no nosso país. Com o aumento do acesso à informação e da polarização, os ânimos de todas as pessoas têm ficado mais acirrados. Se tivéssemos alguma garantia de que nossas discussões presenciais e virtuais são motivadas por boas informações e reflexão refinada, com certeza poderíamos ficar mais tranquilos. Contudo, infelizmente não parece ser este o caso. Quando não somos levados a opinar pela fake news mais fresquinha que acabou de chegar naquele grupo de WhatsApp, nossos debates se tornam mais feios que briga de foice devido à crueza, superficialidade ou ao erro franco de nossas ideias.


A coisa fica ainda mais complicada quando colocamos o cristão na equação, e isso por dois motivos. Em primeiro lugar, a parcela da população brasileira que se autodenomina “evangélica” — e, concomitantemente, o eleitorado evangélico — tem crescido de modo muito significativo nas últimas décadas. Nessa história, nós somos tanto os interessados na política quanto o alvo de interesse — e, por isso, da propaganda — dos candidatos a cargos políticos. Em segundo lugar, o cristão tem a clara responsabilidade bíblica de buscar e zelar pela verdade e pelo amor. Isso significa, no contexto das discussões políticas contemporâneas, opinar e conversar a partir de argumentos ponderados e bem embasados e com a mansidão e humildade modeladas pelo nosso Mestre.


Foi para contribuir com os cristãos nesse esforço que esta série de artigos foi pensada. A ideia é falarmos um pouco tanto sobre princípios básicos da relação do cristão com a política, como o seu envolvimento nesse campo, as ideologias e o papel do Estado, quanto sobre aspectos mais práticos dessa relação, como o voto e como buscar informações de qualidade. Estes textos foram elaborados a partir das anotações feitas para uma conversa entre os jovens da União de Mocidade Presbiteriana (UMP), num evento intitulado “Política como Fé e Prática”, e das ideias compartilhadas durante a discussão. Nossa oração e desejo é que estes apontamentos edifiquem o leitor e a leitora, produzindo, como alguém já disse, mais luz que calor.


Todos os textos bíblicos foram extraídos da Nova Almeida Atualizada (NAA), a menos que se indique o contrário.


Parte 5: Como lidar com as informações


Finalmente chegamos ao último texto desta série. Depois de falarmos sobre os princípios básicos do envolvimento do cristão com a política e sobre o que precisamos saber acerca do voto, vamos tratar hoje de como lidar com as informações. Esse assunto é bastante relevante hoje em dia principalmente por conta das redes sociais. Já se foi o tempo em que abríamos o jornal ou a revista, líamos as notícias e pronto. Com o aumento incalculável da produção, disseminação e acesso à informação, com as bolhas epistêmicas e câmaras de eco facilitadas pelos algoritmos das redes sociais e com o crescimento do número de interessados em aproveitar esse novo estado de coisas em seu próprio favor, a forma de lidarmos com o que vemos, lemos e ouvimos não é mais tão direta. Como cristãos, temos a responsabilidade de zelar pela verdade, e isso implica em estarmos atentos e preparados para lidar com as fake news e outros problemas informacionais da nossa geração.


A primeira coisa que precisamos mencionar é que todos temos vieses. Quando pensamos em vieses, imediatamente pensamos no viés ideológico de certas publicações, em especial de jornais e revistas de alta circulação. Entretanto, não são só os meios de comunicação em massa que são enviesados, mas nós também, como indivíduos, possuímos vieses, os quais, por sua vez, não se limitam a preferências políticas. Estudos recentes nas áreas de psicologia e neurociências têm demonstrado a ubiquidade desses vieses. Um exemplo é o livro Rápido e devagar, de Daniel Kahneman (um psicólogo vencedor do prêmio Nobel de Economia). Kahneman explica que nossos cérebros são constituídos por dois sistemas, responsáveis por duas formas distintas de pensar. Uma forma é rápida, intuitiva e emocional, dando respostas cognitivas imediatas à informação com a qual entramos em contato; a outra é mais devagar, deliberativa e lógica, responsável pelo raciocínio intencional que empregamos em decisões mais demoradas.


Os vieses que possuímos como indivíduos são associados à primeira forma de pensar. Contudo, é interessante notar que os vieses, nesse sentido, não são ruins. Eles nos dão capacidades extraordinárias de tomar decisões rápidas sob pressão, ou de ir em frente quando a quantidade e qualidade da informação de que dispomos não é suficientemente boa para determinar o melhor curso de ação. Esses vieses permitem uma economia de informação — e, consequentemente, tempo e dinheiro — que é bastante valiosa no mundo cada vez mais acelerado e exigente em que vivemos.


Mas os vieses, de fato, influenciam fortemente a forma como experimentamos e interpretamos as informações e, através disso, nossas decisões. Alguns dos vieses mais estudados são mais pertinentes à nossa discussão, pois se relacionam diretamente com a busca de informações e com a influência dos nossos grupos sociais na coleta, filtração e interpretação delas. A seguir, veremos alguns exemplos para esclarecer como tais vieses podem ser prejudiciais aos nossos esforços de navegarmos no mar informacional de hoje.


O viés de confirmação refere-se à tendência que temos de procurar informações que apoiem nossas crenças. A consequência é que notícias e informações que não apoiam nossas hipóteses e crenças são desconsideradas ou rapidamente descartadas. Por exemplo, um estudo de 2011 realizado entre médicos psiquiatras e estudantes de medicina descobriu que 13% dos médicos e 25% dos estudantes, após terem feito um diagnóstico preliminar, apresentaram viés de confirmação ao buscarem informações para apoiar esse diagnóstico. A propensão a realizar o diagnóstico correto foi significativamente menor entre essas pessoas.


O efeito manada ocorre quando uma pessoa ou grupo acolhe uma crença, toma um curso de ação ou se comporta de determinada maneira apenas porque outro grupo fez o mesmo, sem saber a causa daquele comportamento. É um viés muito comum entre investidores, sendo responsável por ciclos de alta e de baixa nos preços de ativos financeiros e pelas crises subsequentes. Por exemplo, um experimento (você pode encontrá-lo no livro Nudge, de Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein, p. 72) perguntou a várias pessoas, individualmente, se elas concordavam com a seguinte afirmação: “A liberdade de expressão é um privilégio, e não um direito, e pode ser suspensa caso a sociedade se sinta ameaçada.” Apenas 19% do grupo-controle concordou com a frase, mas, ao saberem que outras quatro pessoas haviam concordado, 58% das pessoas passaram a compartilhar a mesma opinião.


O viés intragrupal, ou favoritismo intragrupal, é a propensão a favorecer, de alguma forma, os membros do próprio grupo social em detrimento das pessoas que estão fora do grupo. Podemos ver como isso é comum nos nossos círculos políticos. Como afirma o psicólogo Paul Bloom: “O simples fato de pensar em alguém como um membro de fora do grupo influencia nossos sentimentos acerca desse indivíduo […] Nós os percebemos como selvagens, ou, na melhor das hipóteses, como crianças” (O que nos faz bons ou maus?, p. 143). O neurocientista, filósofo e também psicólogo Joshua Greene vai na mesma direção em Tribos morais: “Nosso cérebro está programado para o tribalismo. De forma intuitiva, dividimos o mundo em ‘nós’ e ‘eles’ e favorecemos o ‘nós’.”


O conforto cognitivo é a nossa tendência de irmos atrás daquilo que nos proporciona um estado emocional positivo e uma sensação de bem-estar e harmonia interior e com o ambiente externo. Como tudo o que desafia nossas crenças é desconfortável, nós descartamos informações e notícias confrontadoras, o que nos torna predispostos a visualizar e compartilhar apenas aquilo com o que já concordamos.


Perseverança da crença é a propensão a se apegar a certas crenças e ideias mesmo quando novas evidências e bons argumentos mostram o contrário. Isso pode ocorrer mesmo quando a crença se demonstra completamente falsa. Num experimento consentido (David Myers, Psicologia Social, p. 85), pesquisadores plantaram uma ideia falsa na cabeça de algumas pessoas, elaborando-a como se fosse verdade. Pediu-se aos experimentados, então, que explicassem por que aquela crença era verdadeira. Em seguida, os pesquisadores desacreditaram a informação inicial contando a verdade simples de que ela tinha sido inventada para realizar o experimento. Mesmo assim, a crença permaneceu intacta em 75% das pessoas. Isso ocorreu provavelmente porque os participantes da pesquisa haviam elaborado alguma explicação para a crença, o que demonstra a dificuldade de desmentir uma informação falsa uma vez que as pessoas passam a encontrar quaisquer motivos para acreditar nela.


Veja só quantas peças nossos cérebros podem pregar. Repito: os vieses podem ser bons. O pensamento tribal pode fortalecer os laços dentro de um grupo, o que favorece a sobrevivência e o bem-estar. A perseverança da crença nos ajuda a insistir em meio a uma tarefa difícil. Mas os mesmos vieses podem ser fatais quando o objetivo é encontrar a verdade e promover o diálogo honesto e pacífico. A lista acima é apenas exemplificativa, e não exaustiva. Imagine, portanto, a quantidade de outros vieses aos quais estamos sujeitos. E, o que é pior, a forma como os algoritmos das redes sociais funcionam os aprofundam. Em busca de engajamento e de cliques (que é o que, de fato, dá dinheiro), as redes sociais sugerem posts que sejam semelhantes aos nossos principais interesses. Isso pode fazer com que assistamos muitos vídeos de gatinhos fofinhos e de gols da rodada. Mas pode fazer também com que estejamos em contato constante apenas com os vídeos de manifestações violentas de militantes daquela ideologia, ou com os discursos de ódio daquele candidato, reforçando o posicionamento político que já temos. Se entre essas recomendações houver alguma fake news, o problema é de quem não sai do celular, e não das big techs.


É por isso que, ao invés de negarmos que nós também somos enviesados ou ficarmos esperando encontrar um veículo de comunicação completamente imparcial para ser nossa fonte primária de notícias, a melhor coisa que podemos fazer é estarmos cientes desses vieses, colocarmos nosso outro sistema para funcionar e buscarmos meios pelos quais o funcionamento nocivo desses vieses possa ser debelado, reduzido ou compensado. Caso contrário, corremos o risco de pautar todas as nossas decisões e apoios políticos em mentiras.


Para isso, aqui vão algumas dicas práticas. Em primeiro lugar, procure conhecer o que as autoridades naquela área estão dizendo. Num vídeo curto, mas muito instrutivo, Rebecca McLaughlin conta que ela tem duas filhas, uma com doze e a outra com dez anos, e um filho pequeno de três. Quando as duas filhas maiores brigam entre si, é comum que ambas relatem versões distintas do ocorrido, mas a mãe faz um esforço para ouvir as duas. O que ela não faz é perguntar ao filho de três anos o que aconteceu, porque, mesmo que ele tenha assistido à briga, ele pode não ser capaz de articular a história ou de ignorar uma possível predileção por uma das irmãs.


Isto é justamente o que algumas pessoas costumam fazer hoje em dia. Apesar da desconfiança generalizada em relação aos experts, ouvir às autoridades é uma condição incontornável do verdadeiro aprendizado. Para aprendermos a andar e a falar, dependemos da autoridade dos nossos pais. Para aprendermos a ler, interpretar e escrever, dependemos da autoridade dos nossos professores. Para aprendermos a competências, conhecimentos e habilidades necessárias ao exercício da nossa profissão, dependemos das autoridades de livros e de mentores. Não adianta: quando queremos saber de alguma coisa, nós vamos falar com quem sabe. Por que isso seria diferente no caso de notícias a respeito de pesquisas de intenção de voto, segurança das urnas, escândalos de corrupção etc.?

Não estou dizendo que as autoridades não podem errar, pois isso seria impossível. No entanto, o fato de especialistas cometerem erros não significa que tais erros são sistemáticos e propositais, e que, por isso, estamos justificados em lançar uma dúvida radical sobre todo e qualquer especialista que fale sobre determinado assunto. Fazer isso seria o equivalente a mandar o carro pro ferro velho porque ele pifou na estrada e me desapontou e começar a andar só de bicicleta.


Além disso, o ponto crucial é que estamos em terreno mais seguro quando nos apoiamos (sem fé cega) no conhecimento de pessoas que têm anos de estudo e diversas instituições por trás, como regras de conduta, universidades, governos, institutos de pesquisa, jornais etc., que quando resolvemos confiar na nossa própria cabeça, no que o meu grupo de WhatsApp favorito está falando, ou no que aquela celebridade do Instagram postou no stories.


E esta é a segunda dica: diante de um conflito de informações, certifique-se de que esse conflito é real e não superficial. Muitas coisas que no debate público parecem dividir os especialistas meio a meio são praticamente consenso na comunidade científica. Presenciamos isso em meio à pandemia, quando, para muitos, a impressão que se tinha era que metade das pessoas falavam que máscaras reduziam o risco de contágio e que as vacinas eram seguras e que metade falava que não. Pode até ser que essa divisão fosse verdadeira dentre os canais de Youtube e os blogs, mas, caso fôssemos para a comunidade científica — aqueles que realmente entendem do assunto —, encontraríamos um consenso esmagador em favor das máscaras e das vacinas. E essa informação era apoiada pela grande maioria dos órgãos de saúde, governo e meios de comunicação mundial.


Não que a verdade esteja sempre no que a maioria pensa. Mas a comunidade — a comunidade dos verdadeiros especialistas no assunto — é o principal lugar onde a informação de qualidade pode ser produzida, justamente porque os vieses individuais são diluídos quando um grande número de pessoas coopera em busca da verdade. É por isso que artigos científicos são revisados por pares e publicados para o escrutínio da comunidade científica mais ampla; é por isso que institutos que realizam pesquisas de intenção de votos são compostos por muitos técnicos que seguem metodologias estatísticas aceitas pela comunidade acadêmica; é por isso que os grupos jornalísticos mais tradicionais seguem normas de boa conduta jornalística, citam suas fontes, esclarecem a linha editorial etc. Em resumo:

A inteligência reside em uma comunidade, não em qualquer indivíduo. Assim, processos de tomada de decisão que suscitam a sabedoria da comunidade têm probabilidade de produzir resultados melhores do que procedimentos que dependem da ignorância relativa de indivíduos solitários (Steven Sloman e Philip Fernbach, The knowledge illusion, p. 259).


Ademais, as recomendações de sempre continuam sendo aplicáveis: sempre leia a informação ou notícia com atenção para identificar argumentos falaciosos e meias-verdades e discernir entre o que é fato verificável e o que é opinião; verifique se a notícia pertence a um meio de comunicação conhecido e se traz as fontes pertinentes e outras informações relevantes, como nome do repórter e data; cuidado com notícias que façam afirmações muito bombásticas (os famosos clickbaits); caso haja alguma suspeita, vá atrás de outras fontes que possam confirmar ou desmentir a notícia (o famoso fact checking); leia com cuidado e atenção a posição de pessoas que pensam diferente, em busca convergências de pensamento e aprendizados que contribuam para uma maior ponderação, e assim por diante.


Meu irmão e minha irmã, é claro que nos encontramos num mundo em que as pessoas têm interesses escusos por trás de tudo o que fazem, em que mesmo os mais bem-intencionados podem errar e em que o ambiente informacional já está tão poluído que é difícil saber o que é fumaça tóxica e o que é ar puro. Mas é perigoso concluir daí que precisamos jogar uma rede de dúvida radical sobre tudo o que é falado nos jornais e pela ciência, passando a confiar somente nos nossos olhos e discernimento. Embora jamais alcancemos um nível de certeza inquestionável acerca nenhum conhecimento humanamente produzido, nós temos meios e ferramentas à disposição para discernir o que é confiável do que é desconfiável. Para isso, é fundamental que cultivemos certas virtudes intelectuais, como a humildade, a cautela, a meticulosidade e a perseverança intelectuais, a atenção e uma mente aberta. São essas características que irão segurar as rédeas nos nossos vieses e nos ajudar a viver na era da informação com zelo pela verdade e, acima de tudo, amor ao próximo.

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